‘A corrupção é uma atividade coletiva’
"Quando você burla as leis, certamente não o faz sozinho. A administração pública possui preceitos e é aí que percebemos que o ato corrupto não é de responsabilidade de uma única pessoa". A análise é de Maria do Livramento Miranda Clementino, cientista social, economista e chefe do Departamento de Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Para a especialista, ética e transparência podem auxiliar nas reduções de casos de corrupção investigados recentemente no Rio Grande do Norte. "Ética e transparência caminham juntos. Se não tem transparência, não tem ética. Na missão do gestor público há essa obrigação".
A responsável pela graduação de Gestão de Políticas Públicas da UFRN vai além. Cobra da população uma fiscalização mais ativa e diz que a sociedade acaba por delegar tal responsabilidade a outras instituições. "O Ministério Público é uma instituição que tem credibilidade com a população. Mas nós não podemos nos omitir do mesmo exercício de fiscalização. É o que está faltando".
Os recorrentes casos de apuração sobre indícios de corrupção na administração pública ocorrem em decorrência de um maior rigor na investigação. A interpretação da professora Maria do Livramento é detalhada na entrevista que concedeu à TRIBUNA DO NORTE. Confira:
Diversas investigações foram iniciadas durante este ano e o ano passado em virtude de suspeitas de corrupção na administração pública. A quantidade de inquérito e ações conduzidas pela Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público Estadual e Federal saltaram aos olhos. Estão "roubando" mais ou a investigação está mais rigorosa?
A minha opinião é que se está investigando mais. Isso é o resultado de processos de avanço no sistema democrático brasileiro. A constituição de 1988 completou 20 anos e os instrumentos democráticos permitidos por ela já estão em prática. Com a Constituição de 88 houve uma descentralização das políticas públicas. Na oportunidade, houve uma falsa impressão de que tal descentralização teria facilitado a corrupção de recursos públicos. Os gestores públicos têm que se pautar nos princípios básicos da ética e transparência. Com isso e os controles sociais do Estado, sendo operados a contento, a corrupção se reduz.
Como os administradores encaram a responsabilidade de serem éticos e transparentes nas atividades que praticam?
Existem aqueles controles que são operados pelo próprio Estado, com instrumentos fortes regidos por lei para realizar o controle do gasto público. A Lei de Responsabilidade Fiscal, o Portal da Transparência são instrumentos que permitem dar visibilidade ao tratamento da coisa pública.
Onde é preciso melhorar?
O que a gente precisa melhorar são os controles exercidos pela população, os chamados controles sociais. Isso precisa avançar. A sociedade acaba delegando essa responsabilidade a outras instituições de credibilidade, como o Ministério Público. É preciso que a sociedade se organize e que os conselhos gestores funcionem efetivamente.
Como a senhora avalia o nível de transparência do serviço público no RN?
A ética e transparência caminham juntas. Se não tem transparência, não há ética. Na missão do gestor público há essa obrigação. No momento em que não dou a visibilidade necessária aos atos administrativos, estou retendo informações importantes para que o controle por parte da sociedade possa acontecer.
Algumas das investigações que estão sendo conduzidas diz respeito ao trato com a Lei de Licitações - como exemplo a operação Sinal Fechado. Licitação é um tema que demanda atenção especial quando crimes de corrupção são apurados?
Uma questão fundamental de se analisar é a manipulação dos processos licitatórios. A ausência de licitação deve ocorrer sempre em situações extremas, como calamidades públicas. É necessário o aprimoramento da legislação. O controle tem que ser coercitivo. A transparência é importantíssima.
Os esquemas expostos pela polícia judiciária e pelos ministérios públicos apontaram a formação de quadrilhas para a suposta concretização dos desvios de recursos. É possível ser corrupto sozinho dentro da administração pública?
Quando você burla, o que supostamente está acontecendo em alguns casos, a corrupção não acontece com uma única pessoa. Isso por causa do princípio que rege a administração pública, a solidariedade. O ato está embasado em quem decide, quem faz e quem paga. A decisão coletiva é importante para a garantia do cumprimento correto dos deveres.
A senhora está à frente do Departamento de Gestão de Políticas Públicas. Como o curso criado recentemente debate essas temáticas?
Gerir que dizer fazer, implementar. Nossos alunos são aqueles que, em algum nível da hierarquia pública, tomarão decisões. O curso está pautado nesse princípio que eu falei: ética, transparência e participação. É um curso teórico-prático. Aqui eles treinam em "laboratórios" as implementações das políticas públicas no Brasil devem postar em prática.
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