Tortura:
uma estratégia para coibir os adversários do regime militar
Sandra
Maria Castanho*
Resumo: Este artigo tem a finalidade de analisar
as principais técnicas de tortura
realizadas durante o período da Ditadura Militar. A tortura tornou-se um instrumento
rotineiro nos interrogatórios sobre atividades de oposição ao regime,
principalmente a partir do ano de 1964.
O
Regime Militar foi instaurado pelo golpe de 1º de abril de 1964, como
conseqüência direta de uma série de “tendências e contradições” que vinham acontecendo nos anos imediatamente
anteriores. No plano político, o regime militar foi marcado pelo autoritarismo,
pela supressão dos direitos constitucionais, pela perseguição política, prisão
e tortura dos opositores e pela imposição da censura prévia aos meios de
comunicação. Na economia há uma rápida diversificação e modernização da
indústria e serviços, sustentada por mecanismos de concentração de renda,
endividamento externo e abertura ao capital estrangeiro.
A
equipe do “Projeto Brasil Nunca Mais”, coordenada pelo cardeal Dom Paulo
Evaristo Arns, da Arquidiocese de São Paulo, se encarregou de pesquisar todo o
processo político do período ditatorial que compreende as décadas de 60 e 70, e
seus aparatos repressivos, o que resultou em um livro que traz um relato
histórico do que de fato acontecia nos bastidores do regime. O livro traz
grandes revelações, apesar de não fazer uma análise aprofundada do tema, sendo
contudo, de grande relevância para a aquisição de conhecimentos dos mais leigos
no assunto.
São
apontadas, no livro, entre outras coisas, as formas de tortura que eram
utilizadas pelos carrascos da ditadura, um conjunto de práticas que quando não
matava, deixava danos irreparáveis à psique humana, pois as lembranças do
sofrimento jamais foram apagadas da memória de quem o viveu.
As
seqüelas deixadas pela tortura eram de tamanha dimensão que muitos presos
desejaram-se levar pela morte para se livrar delas. Um caso que pode
exemplificar bem a situação foi o do Frei Tito de Alencar Lima, que mesmo após
escapar da morte numa tentativa de suicídio na prisão em 1970, enforcou-se anos
depois, já no exílio, por não suportar as lembranças das brutalidades sofridas
enquanto torturado.
Dom
Paulo Evaristo Arns (1985) analisou o
processo de tortura no Brasil, dizendo que está ocupou a condição de
instrumento rotineiro nos interrogatórios sobre atividades de oposição ao
regime, principalmente a partir do ano de 1964. A tortura foi um fator transformador do cotidiano da vida nacional,
porque as estruturas do Estado passavam por um processo de endurecimento e
exclusão do direito de participação popular da vida nacional, através de um
poderoso sistema de repressão e controle. Em seu ponto de vista “a tortura,
além de desumana, é o meio mais inadequado para levar-nos a descobrir a verdade
e chegar à paz”. (ARNS, 1985, p.11).
Contrários
aos princípios que regem os direitos humanos (estes princípios foram definidos
na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada e adotada pela
Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) em dezembro de 1948.), ao respeito à
integridade física e moral do homem, militares brasileiros, nas décadas de 60 e
70, se transformaram em agentes implacáveis da prática repressiva, utilizando
os mais sofisticados métodos de tortura importados dos países imperialistas,
especialmente dos Estados Unidos. (HUGGINS, 1998)
Pau-de-arara,
choque elétrico e afogamento foram algumas das torturas utilizadas para
reprimir as manifestações e arrancar informações sobre as atividades de grupos
e pessoas ligadas à oposição durante a ditadura militar. As ações “subversivas”
se intensificaram, como se os militantes de esquerda nada temessem. Era o ápice
da coragem de uma leva de cidadãos em sua maioria jovens, politizados ou em
processo de politização, que se dispunham a tudo, até à morte, em defesa dos
seus ideais.
Aprofundando
a temática da tortura praticada durante a Ditadura Militar é conveniente
analisarmos o artigo “A lógica da suspeição: sobre os aparelhos repressivos à
época da ditadura militar no Brasil” escrito por Marionilde Dias Brepohl de
Magalhães (1997). Neste artigo a tortura é destacada pela prática que
constituiu o núcleo do sistema repressivo: de uma ação arbitrária por
parte de alguns interrogadores, transformando-se em um método científico,
criteriosamente planejado, com a finalidade de obter informações sobre atividades e/ou indivíduos considerados
inimigos da nação.
Um
eficiente mecanismo repressivo usado pelo regime militar foi a utilização de
métodos que consistia na vigilância e controle cotidiano sobre a sociedade,
conhecida como “comunidade de informações”. Em nome da Segurança Nacional,
montou-se um complexo sistema repressivo para combater a subversão e reprimir
preventivamente qualquer atividade considerada suspeita, por se afigurar como
potencialmente perturbadora da ordem. (MAGALHÃES, 1997 ; ALVES, 1984).
Foi
através dos aparatos repressivos das unidades de forças militares ou policiais
que guardavam autonomia de ação entre si, que as ações eram ordenadas a partir
de um núcleo central, o Serviço Nacional de Informações – SNI, criado em 1964.
O SNI subordinava outros órgãos repressivos, como os centros de informações das
três armas (CIEX, CINEMAR), a polícia federal e as polícias estaduais (como por
exemplos os DOPS). Para integrá-los
criou-se o Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de
Defesa Interna, DOI-CODI, oficializado em 1970, que congrega representantes de
todas as forças policiais. Dotados de recursos financeiros e tecnológicos, as atividades do DOI -CODI eram planejadas e
orientadas pela lógica da disciplina
militar, com propósitos de
enfrentar agentes como uma guerra revolucionária.
Além
disso, a seleção pessoal para compor os aparatos repressivos obedecia uma
rígida hierarquia, onde o topo era composto pelo Presidente da República, tendo
o Conselho de Segurança Nacional e a equipe executiva para garantir sua
segurança. A esses eram subordinados os órgãos de repressão em todas as regiões
do país, coordenados por militares. Eram assessorados por analistas de
informações, vistos como a elite do sistema. Esses por sua vez recomendavam
planos de ação e freqüentavam a Escola Nacional de Informações.
Numa
fase intermediária situava o interrogador, responsável pelos depoimentos. Na
maioria das vezes eram executados por pessoas especializadas em empregar
técnicas cansativas ao interrogado.
Na
parte mais baixa da hierarquia seguiam os captores, que eram os policiais
responsáveis pelo aprisionamento dos suspeitos. Paralelos a esses, existiam os
informantes, que de acordo com sua competência ocupavam a função de analista,
interrogador ou captor. Esses homens eram chamados de “fontes” e classificados
em uma escala de seis níveis.
Portanto,
entendemos que a tortura além de servir como técnica para obter algumas
informações, servia também de instrumento para desmobilizar as oposições por
meio de intimidação, atingindo além do indivíduo, que era submetido a
interrogatórios, as demais pessoas de seu grupo, que
logo ficava sabendo do acontecido.
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