Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro revivem escândalo dos precatórios no banco dos réus
Desembargadores aposentados participaram da oitiva do juiz Luiz Alberto Dantas, que descobriu e investigou o rombo nos precatórios. Eles são réus em ação penal que tramita na 8ª Vara Criminal.
Por Dinarte Assunção.
Os anos de magistratura encastelaram os desembargadores aposentados Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro na posição de decidir. Nesta segunda-feira (3), no entanto, ambos se viram acomodados no banco dos réus em duas audiências de instrução da ação penal na qual foram denunciados e acusados de terem se beneficiado do roubo de mais de R$ 14 milhões que Carla Ubarana operou sob suas togas.
Aos promotores do Patrimônio Público interessa não apenas deixar os dois na condição de réus, mas, principalmente, extrair da Justiça uma condenação criminal. A moral, sustentam os dois ex-magistrados, já foi imposta pelo que consideram um linchamento midiático que lhe roubaram o sossego desde que Carla escancarou em delação premiada ao MPRN que ambos, sim, gozaram dos prazeres dos recursos públicos tanto quanto ela. Até o momento, não há um elemento conclusivo que permita afirmar a tese da ré confessa. Agarrados a essa esperança, eles se dispuseram um atrás do outro, na sala de audiências da 8ª Vara Criminal, para ouvir o depoimento de uma das peças centrais da investigação que resultou na deposição de ambos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.
Se há alguém que pode evocar a glória da descoberta, é o juiz Luiz Alberto Dantas, mas ele prefere não o fazer. Nos idos de 2011, no primeiro ano da presidência da desembargadora Judite Nunes, ele foi incumbido de elaborar uma espécie de relatório conclusivo sobre os pagamentos dos precatórios, então feitos sob a batuta de Carla Ubarana.
“Eu comecei a pedir a ela os processos e ela nunca os trazia. Um dia pedi especificamente casos que eu sabia que havia problemas neles e, para minha surpresa, ela só trouxe os casos que estavam normais”, relatou ele ao juiz titular da 8ª Vara Criminal na oitiva desta segunda, Ivanaldo Bezerra.´
“A suspeita começou aí, relatei à desembargadora Judite Nunes. Depois veio a descoberta de que tinha processos de pagamentos fictícios. Pedi novamente a Carla os autos, o processo físico, e ela nunca trazia. Foi então quando ela disse que estava doente e se afastou do Tribunal. Fomos ao Banco do Brasil e descobrimos, na remessa que eles enviaram, os pagamentos feitos a laranjas, a pessoas que nada tinham a ver com os precatórios”, continuou o juiz. Seu depoimento magnetizou todos. Osvaldo e Rafael ouviam impassíveis, mexendo as pernas e, às vezes, franzindo o cenho, como se disso dependesse a capacidade de ambos de assimilar melhor o que era falado. A única que passou incólume à tempestade de informações na minúscula sala foi a mulher de Osvaldo Cruz, que tamborilava os dedos em seu iPhone.
O que aconteceu da descoberta dos roubos para frente a imprensa tratou de escancarar. Uma comissão de investigação foi aberta no TJRN. Presidida pelo desembargador aposentado Caio Alencar – que será ouvido em dezembro – tinha o juiz Luiz Alberto Dantas como um dos membros. Às togas, se juntaram o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Eles identificaram o valor de rombo, R$ 14,1 milhões, e concluíram que eles foram desviados sob o trono de Judite Nunes, Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro. Revisitadas por Luiz Alberto, algumas minúcias despertaram reações na sala de audiência.
Pronunciada muito calmamente, a frase “Todos os cheques foram assinados na gestão do desembargador Osvaldo Cruz” provocou nesse a paralisia das pernas. A respiração ficou mais ofegante e os olhos, cerrados. Osvaldo não poderia intervir no depoimento da testemunha, mas seu corpo falou o que ele desejava. Só quando Luiz Alberto conduziu o assunto para a parte técnica sobre planilhas e composições de gastos, o desembargador aposentado voltou a inquietar os membros inferiores. Dessa vez, as pernas mexiam mais rápido.
Quando todos pareciam dessintonizados pela repetição da história que rendeu vários relatórios em diversos segmentos da Justiça, o advogado Flaviano Gama, da defesa de Osvaldo Cruz, inquiriu o juiz com a seguinte questão: tendo Carla Ubarana certa autonomia no TJRN, era preciso que os desembargadores necessariamente soubessem que havia algo irregular ou os não? O juiz titubeou para responder. Pela primeira vez. Ele principiou com duas palavras, “Veja bem”, antes de mais uma pausa para refletir. Ao fim do colóquio, não conseguiu responder à questão.
O fato decisivo para os desvios terem acontecido foi a autorização que Carla Ubarana obtinha para os pagamentos. A questão que se tenta desvendar é se, ao se autorizar os pagamentos, os desembargadores aposentados sabiam que o propósito em questão era uma fraude. Além deles dois, a então secretária-geral do TJRN, Wilza Dantas Targino, detinha o poder para autorizar os pagamentos. Wilza foi investigada, processada e inocentada porque restou provado que Carla Ubarana a enganou.