De
quem é a responsabilidade pela chacina
ocorrida em Conceição do Araguaia?
Na madrugada do último dia 17, seis pessoas de
uma mesma família - o casal e mais 4 crianças - foram barbaramente
assassinadas, no interior da fazenda Estiva, localizada no município de
Conceição do Araguaia/PA. Os autores da violência, que alegavam serem donos do
lote ocupado pela família, assassinaram todos que se encontravam na casa,
usando de extrema crueldade e sem dar qualquer chance de defesa para as
vítimas. Até o momento, a polícia não conseguiu prender todos os envolvidos nas
mortes.
Frente
a uma violência tão brutal que ceifou a vida de pessoas inocentes e que chocou
e revoltou a opinião pública, a pergunta que precisa ser feita é: de quem é a
responsabilidade pelas mortes na fazenda Estiva?
Analisando
as causas que resultaram no conflito, não há dúvidas, que a responsabilidade
pelas mortes vai além daqueles que praticaram o ato criminoso, recai também sob
péssima atuação do INCRA e da Justiça Federal na região sul e sudeste do Pará.
Em relação à atuação do INCRA é preciso esclarecer que a inoperância do órgão e
o despreparo de muitos de seus gestores para atuarem em situações de conflito,
tem sido uma das principais causas da ocorrência de situações de violência contra
os trabalhadores em muitas ocupações.
A
ocupação da fazenda Estiva se arrasta por mais de 08 anos sem que o órgão tenha
conseguido resolver o conflito e promover o assentamento das famílias. Na área
de abrangência da Superintendência do INCRA de Marabá, existem hoje, mais de
100 fazendas ocupadas por cerca de 12 mil famílias que aguardam para serem
assentadas. A grande maioria dessas ocupações já se arrasta por mais de 10 anos
sem que o conflito tenha sido solucionado. Essa inoperância do órgão possibilita
que situações de violência como a que ocorreu na fazenda Estiva ocorra em
outras áreas colocando em risco centenas de famílias. Outro problema grave, é o
despreparo de muitos gestores do órgão - escolhidos por interesses políticos e
não por qualificação técnica - para lidarem com conflitos agrários. O caso da
fazenda Estiva é exemplo disso. De acordo com as investigações o INCRA fez um
cadastro da família vítima da violência e orientou, através da associação, que
ocupassem um lote que já era ocupado pelo autor das mortes. Como o INCRA não
foi imitido na posse da área, o órgão não poderia fazer cadastro de famílias e
nem dizer quem deve ficar com o lote A ou B. O INCRA só poderia fazer isso
quando a Justiça Federal lhe autorizasse a criar o assentamento, logo após a
imissão de posse.
Por
outro lado, a morosidade da Justiça Federal e a falta de sensibilidade de
muitos de seus juízes que tem atuado nas subseções de Marabá e Redenção é
patente. Na área de atuação dessas duas subseções, tramitam, dezenas de processos
que envolve desapropriação e arrecadação de terras públicas para fins de
Reforma Agrária. São mais de 200 mil hectares de terra onde cerca de 6 mil
famílias sem terra aguardam por uma decisão da Justiça Federal para serem
assentadas. Muitos dessem processos se arrastam por anos sem que tenha tido
sequer uma decisão de primeira instância. A demora da justiça em decidir sobre
o conflito expõe as famílias a toda sorte de violência. Ano passado, dois
trabalhadores foram assassinados e outros dois saíram gravemente feridos a
tiros por pistoleiros da Fazenda Gaúcha, localizada no município de Bom Jesus
do Tocantins. Trata-se de uma área pública federal e o processo tramita há mais
de três anos sem que a Justiça federal decida o caso.
Na
verdade, vários problemas comprometem a atuação da Justiça Federal no sul e
sudeste do Pará. Um deles é que as subseções dessas duas regiões funcionam como
espaço de transição para juízes recém concursados. Esses juízes, além de quase
nada conhecerem da região, permanecem pouco tempo nessas subseções até que
consigam uma remoção, e assim, se omitem em decidir nos processos que envolvem
conflitos coletivos pela posse da terra. Outro problema é que, frente à
gravidade da questão agrária na região, após muita pressão, o Tribunal Regional
Federal decidiu implantar uma vara agrária federal em Marabá. Ocorre que essa
vara agrária que deveria priorizar o julgamento dos processos, que envolvem a
questão agrária, só existe no papel. Nunca funcionou. Não há juiz específico
para atuar nessa vara desde que foi criada, há mais de 3 anos.
Para
os Movimentos Sociais que assinam essa nota está claro que, a responsabilidade
pela chacina ocorrida na fazenda Estiva, vai além daqueles que apertaram o
gatilho e desferiram os golpes que ceifaram a vida de 6 pessoas. Na verdade,
elas e outras são vítimas da omissão do poder público frente aos conflitos
agrários existentes no sul e sudeste do Pará.
Marabá/Conceição,
23 de fevereiro de 2015.
Federação
dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará - FETAGRI.
Comissão
Pastoral da Terra - CPT.
Movimento
Sem Terra - MST.