Conheça a trajetória de Kauany Sousa, jovem que vem emocionando o Brasil
Foto: Ismael Sousa
Descer as escadas em um festejado baile de formatura é o sonho de inúmeros jovens. Não era, definitivamente, o de Kauany Sousa. Mais do que participar de uma noite de gala após a conclusão do curso superior, a estudante de 24 anos, natural de Almino Afonso, região do Alto Oeste potiguar, tinha como meta a conquista do diploma universitário, documento que sintetiza a trajetória dessa menina que vem emocionando o Brasil.
Kauany ficou conhecida após ser publicado nas redes sociais o vídeo de sua descida das escadas na festa que marcou o encerramento da graduação em Serviço Social. O baile aconteceu no dia 9 de abril, desde então a repercussão da homenagem que a jovem fez aos pais agricultores, erguendo uma enxada, tem levado internautas de todo o país às lágrimas. ASSISTA:
(Vídeo: Master Produções e Eventos)
Da infância difícil no sítio Carnaúba Torta, localizado entre as cidades de Almino Afonso, Patu e Catolé do Rocha, até a coroação de todo o esforço e dedicação, Kauany Sousa precisou superar inúmeros obstáculos. Até descer as escadas como graduada em Serviço Social, ela teve que subir incontáveis degraus no caminho. Não foi fácil, destaca ela. Mas com o apoio de Seu José Nilson e Dona Creuza Alves, as pedras que surgiam no percurso foram sendo retiradas, uma a uma.
“Nunca vi meu pai reclamar de nada na vida, quando as pessoas olham para ele e para minha mãe, pensam que são meus avós, eles têm cara de gente trabalhadora, gente sofrida. Então o gesto na formatura foi uma forma de demonstrar para todo mundo, que estava no baile, o quanto eu amo eles, e quanto lutaram por mim. Quantas vezes eu ia estudar e só tinha comido feijão com farinha? Nunca tive muitas regalias na minha vida, mas eles me deram o feijão com farinha. Quero agora dar o melhor para eles, retribuir, com amor, e com que eu tiver, tudo que fizeram por mim”, destaca Kauany.
(Foto: José Bezerra)
A agora assistente social começou a estudar com 7 anos de idade, embaixo de árvores no sítio Carnaúba Torta. Com 4 anos, já havia decidido o que iria ser quando crescesse: jornalista. A paixão surgiu ouvindo rádio, o único meio de comunicação existente onde morava. “Acompanhava as notícias, os programas, das 5h até a hora de dormir”, conta, relembrando que o fascínio pelo universo da informação era tão grande, que decidiu batalhar para ser uma comunicadora, “aparecer na TV”, como ela costumava dizer a mãe.
Kauany só conseguiu assistir TV aos 17 anos. O lapso temporal entre a decisão de ser jornalista e o encontro com a “caixa mágica” não a desmotivou, pelo contrário, a fez seguir em frente, sempre. “Eu dizia para minha mãe: um dia a senhora vai ver na televisão. Estudei, batalhei e consegui terminar o ensino médio em 2009. Fiz o vestibular para Comunicação Social na Uern em 2009, 2010 e 2011, não consegui passar”, destaca.
Sem desistir do sonho de ser jornalista, Kauany recebeu, no final de 2011, uma ligação que a levaria para um novo caminho profissional: uma universidade particular da cidade informou que estava promovendo seleção para estudantes bolsistas. Passou e escolheu Serviço Social. Por que? “Porque o nome era parecido com Comunicação Social. Pensei: ‘Deve ter alguma coisa a ver’”, pontua, complementando: “Na primeira semana de aula me apaixonei pelo curso”.
E o jornalismo? Em 2012, fez novamente vestibular na Uern e o sonho de infância começava a ser concretizado: foi aprovada. Trabalhando durante o dia para se manter em Mossoró, e cursando Serviço Social à noite, precisava abdicar então do trabalho ou da faculdade particular. Com o apoio da família, decidiu dedicar-se somente aos estudos.
(Foto: Ismael Sousa/MH)
“Decidi, juntamente com minha família, que todo o tempo me apoiou, meu esposo, optar pelos dois cursos e largar o emprego. Uma das principais dificuldades foi ficar longe da família. Aqui (em Mossoró) eu era sozinha, não conhecia ninguém, tinha que me virar. Teve também a questão financeira. No início eu morava sozinha, depois com algumas amigas, onde dividíamos as despesas, só que elas saíram, fique só, não tinha como pagar mais. Depois disso foram 11 meses morando nacasa de todas as pessoas”, diz.
Estudando na Uern pela manhã, estagiando à tarde e cursando Serviço Social à noite, Kauany Sousa só não tinha destino certo na hora de dormir. Foi aí que contou com o apoio fundamental de amigas, colegas de curso, de trabalho. “Nunca tinha uma pessoa certa, todos os dias eu dormia na casa de alguém diferente. Foi aí que conheci Mossoró”, relembra a situação, hoje gargalhando. “Muitas pessoas me apoiaram. Me deram comida, dormida”, frisa, com gratidão.
O que dizem Seu José Nilson e Dona Creuza
Em agosto de 2015, a UERN TV, onde Kauany estagia atualmente, contou a história da estudante. No programa, os pais da jovem foram entrevistados. Confira abaixo o que eles disseram sobre a filha.
“Ela plantava, enterrava o milho, feijão, arroz, muito disposta, uma menina nova, corajosa, tudo que ia fazer ele dizia ‘eu topo pai’. Deus abençoe você, que é uma menina muito inteligente, que vai seguir à frente, se Deus quiser, com toda garra, força e coragem, não pare os estudos que você vai ser uma grande pessoa na sua vida”, relatou emocionado o pai José Nilson.
“Kauany para mim é um exemplo de vida, um orgulho, todos os meus filhos são um orgulho, mas o que quero dizer é que nenhum dos outros três teve essa coragem de Kauany. Ela é uma menina de fé, determinada. Eu louvo a Deus por ter uma filha como ela. Já vi ela na televisão, como ela falou que eu iria ver. Ela diz que não vai ficar só na Futura. O desejo dela é ir para a Record. Jesus realiza os nossos desejos, se assim for a vontade dele. Creio que Kauany vai ser uma pessoa grande ainda, em nome de Jesus”, finaliza emocionado Dona Creuza, mãe.
Assista ao programa Revelando Histórias, exibido pela UERN TV:
Repercussão
Questionada sobre a quê atribuiria tamanha repercussão do seu vídeo, Kauany é rápida na resposta: o gesto de levantar a enxada. “Era um gesto para mostrar que com uma enxada eu consegui me formar, meus principais instrumentos de trabalho até os 19 anos foram o lápis e a enxada. Consegui mostrar para os meus pais que é possível. É um orgulho que tenho". VEJA VÍDEO:
A ideia de descer com uma enxada veio de uma conversa com uma amiga, detalha Kauany: “Eu nem planejava festa de formatura. Foi um presente do meu esposo, que com muito esforço conseguiu pagar. Na última semana o pessoal escolhendo as músicas, pensando a descida e eu sem saber o que fazer. Foi quando falei com minha amiga Solange Santos e ela disse que eu poderia descer com uma enxada, que representa a minha origem. Desde criança, dos 7 aos 19 anos, quando vim para Mossoró, sempre trabalhei com meu pai e minha mãe, plantando feijão, arroz, milho. Na mesma hora aceitei a sugestão”, conta.
Sobre a sensação que viveu no momento da descida, a estudante afirma que não esperava se emocionar tanto. “Quando vi eles vindo ao meu encontro e todas àquelas pessoas gritando, me aplaudindo, lembrei de todo o sofrimento, todas as vezes que minha mãe ligava para mim, para saber como eu estava, lembrei também do meu pai, a alegria com que ele trabalhava". Mais uma vez, Kauany deixa as lágrimas caírem durante a entrevista. VEJA:
Preconceito?
Filha de agricultores, vinda da zona rural para cursar Serviço Social em uma universidade particular, é natural que em algum momento Kauany tenha sofrido algum tipo de preconceito por parte dos colegas de classe, certo? Errado.
“Eles me ajudaram muito. Às vezes passava o dia sem me alimentar e as minhas colegas ligavam pra mim, dividam a comida comigo, ofereciam dormida. Jamais sofri preconceito, pelo contrário, todas elas me apoiaram grandemente”, agradece.
Passado, presente e futuro
Kauany enfatiza que da infância até a adolescência ajudava os pais na labuta diária, plantando algodão, feijão, milho, arroz. “Sempre moramos em casa de outras pessoas, cedidas, meu pai, em 2003, ganhava R$ 20 para nos alimentar, eu e mais três irmãos”, afirma.
Mesmo diante das dificuldades, ela nunca deixou de sonhar. “O mais importante é a gente sonhar, quando a gente sonha a gente consegue. Meus pais sempre me incentivaram, principalmente minha mãe. Quando eu disse a primeira vez que queria passar na televisão, ela disse: ‘Minha filha não faça isso, porque você vai ter que ir para longe’, mas ela sempre me apoiou, mesmo na distância. Eles sempre fizeram o que foi possível”, conta a jovem, que já conheceu o PROJAC, ao participar do Projeto Geração Futura, no Rio de Janeiro, e sonha agora em conhecer o ícone da TV brasileira, Silvio Santos.
Hoje, a estudante cursa o 7º período do curso de Comunicação Social, mora em apartamento próprio, possui transporte próprio, bens que atribui ao esforço do marido, que sempre a incentivou e a ajudou. “Ele mora em Catolé do Rocha e eu aqui. Minha dor também é essa”, revela Kauany.
(Foto: Ismael Sousa/MH)
Sobre o futuro, ela afirma que pretende conciliar as duas profissões. “Eu amo o Serviço Social. E é uma forma de poder ajudar tantas outras pessoas, é uma forma de poder lutar pelas melhorias de políticas públicas para os trabalhadores como meus pais. Eu quero exercer a minha função de assistente social e também exercer o jornalismo, que é um sonho.
Kauany também pretende continuar os estudos cursando Mestrado e Doutorado, mas sem esquecer o objetivo principal: “Dar o melhor para os meus pais, fazendo isso o resto eu corro atrás, enfrento, sigo a vida e consigo”, reforça.
Para a jovem, que no alto dos seus 24 anos já conseguiu concretizar tantos sonhos, os pais agricultores representam tudo. “São tudo na minha vida. Representam o sonho, a alegria, a gratidão, a luta de todas as pessoas, que assim como eu muitos filhos de agricultores, sonham em estudar numa faculdade”.
“Todos os dias quando eu acordava para estudar e me levantava, com duas faculdades, trabalho, não tinha onde dormir, muitas vezes nem onde comer, eu sempre lembrava deles e de tantas outras pessoas que queriam estar no meu lugar, estudando”, frisa.
Mensagem
Para finalizar, Kauany deixa uma mensagem para quem se depara com dificuldades pelo caminho em busca da realização de sonhos. "Não desistam de lutar, principalmente pelos seus pais, não desistam na vida, de tentar sempre outra vez, porque a vida não é fácil. Se desistirmos no primeiro obstáculo não chegaremos ao sucesso, e sucesso não é ser grande, não é ter muito dinheiro, é poder ter essa gratidão, ter a alegria de compartilhar a vitória ao lado das pessoas que nos amam, isso não tem preço”, conclui.
Mossoró Hoje